segunda-feira, 5 de outubro de 2015

São Bento, São Pedro, San Iker

Sempre defendi que política e futebol devem ser como água e azeite -- e não como água e sal, como realmente são. Dois campos de tal forma dissolvidos um no outro, que não se percebe com clareza onde se ergue a fronteira entre ambos. Duas esferas que, devido às próprias enfermidades, deveriam estar em alas diferentes do asilo. Contudo, como o respeito não abunda, nem pelos portugueses, nem pela verdade, lá tivemos um domingo eleitoral e futebolístico ao mesmo tempo, algo nunca antes visto por cá e que deixa um certo saveur a Estado Novo, quando o futebol era utilizado como instrumento de alienação das massas.

Um domingo tão crespo que pôs o santo Pedro (o divino, não o da divina comédia) a chorar compulsivamente, com dó dos habitantes deste rectângulo à beira-mar prostrado. Por uma miríade de motivos, foi-me impossível assistir à partida pela televisão, tendo o coração ligado à máquina, que é como quem diz o livescore, algo que odeio profundamente. Um camarada meu baptizou-o engenhosamente de “futexto”. Ou a pior forma de acompanhar uma partida de futebol. Relembra-me aquelas tardes de domingo passadas a assistir modalidades de pavilhão no Canal 2 só para camuflar a ansiedade oculta de que ver surgir aquela bolinha no canto do ecrã que anunciava o golo dos jogos do campeonato. Não saber o que passa quando sabes que se passa alguma coisa é corrosivo para o nervo.

Mas vá, as pulsações normalizaram na segunda parte, quando o frasco do ketchup perdeu a tampa e os golos sucederam em catadupa. Primeiro Corona, depois Brahimi, cujo nome é parecido com Brahma, a bejeca brasileira, e que me fez pensar que no Dragão estava em curso uma verdadeiro Oktoberfest. De seguida, uns vinte minutos sem nada no telemóvel e, finalmente, Osvaldo. O tal que veio passar férias a Portugal e que parece demasiado ativo e empenhado para um procrastinador. Até abraçou o roupeiro. No FC Porto, engoma-se com classe. Quando o pensamento já estava em Varzim, marcou Marcano. O espanhol já merecia o golo, por todos aqueles que tem ajudado a evitar aos adversários. Tem sido imperial neste início de temporada, sendo um dos elementos mais discretos desta formação. E discreto é o supremo elogio que um defesa-central pode receber. Não está lá para ter protagonismo, mas para o roubar. Cumpre quase sempre.

Já esta segunda-feira, Casillas revelou aquilo que já todos líamos na sua expressão: está a desfrutar novamente dessa mui nobre arte de jogar à bola. Madrid estava demasiado radioactivo para o lendário guarda-redes espanhol, que ontem voltou a evitar males maiores à equipa ainda antes dos motores estarem plenamente aquecidos. Gosto disto. Há portismo a crescer dentro deste homem. Quem diria?

Aliás, se há um ano me dissessem que, em 2015, Jesus ia para o Sporting, Maxi para o FC Porto, Casillas estaria a defender a baliza do Dragão, o nosso meio-campo teria uma contratação de 20 milhões, Aboubakar ia fazer esquecer Jackson Martinez ou o PAN ia eleger um deputado para a Assembleia recomendaria de imediato o internamento desse indivíduo no Júlio de Matos.

Dado que não vi o jogo, salto as apreciações individuais. Recomendo, contudo, uma passagem pela coluna Bluegosfera aqui ao lado, onde estão disponíveis algumas prosas saborosas, que vos ajudarão a passar agradavelmente um dia mais cinzento do que o negócio da porta 18. Consolidamos a liderança, mas não nos livrámos do empecilho parceiro desta coligação inusitada e indesejada. Ainda.

Quanto às legislativas, bom. Algo me diz que não ficaremos por aqui. A coligação Portugal À Frente venceu na urnas, mas perdeu no Parlamento, falhando a maioria absoluta, o que deixa o futuro em São Bento sob suspense. Se a esquerda se mantiver fiel à sua filosofia, não haverá blocos centrais. O que fará com que este governo veja o seu programa eleitoral vetado no Parlamento. Mesmo que subsista, enfrentará uma maior dificuldade na aprovação de novas reformas económicas. Tudo muito bem embrulhado poderá redundar em eleições antecipadas daqui a um ano. Tem a palavra o sr. Presidente da República.

Não, não me esqueci de ti. Guardo sempre o melhor para o fim. Rápidas melhoras, campeão.

Goleada, três pontos, vitória antes da paragem, liderança. Perfeito.

5 comentários :

  1. Eu diria mais água com açucar, que é assim que se fazem os negócios, docinhos para todos os intervenientes.

    Quanto a acompanhar os jogos que não pela TV ou no local, fez-me lembrar as tardes da rádio ao domingo, sempre que o Porto jogava fora. Aquilo é que era imaginar cortes, passes, cacetadas, remates, defesas, golos... outros tempos...

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    1. O telhado está a cair. Afinal, o vidro é uma coisa frágil.

      Maior abraço, meu caro.

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  2. "O espanhol já merecia o golo, por todos aqueles que tem ajudado a evitar aos adversários. Tem sido imperial neste início de temporada, sendo um dos elementos mais discretos desta formação. E discreto é o supremo elogio que um defesa-central pode receber. Não está lá para ter protagonismo, mas para o roubar."

    É tão isto.

    Grande abraço.

    Saudações Portistas.

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  3. este espaço está muito silencioso. demasiado silencioso...

    ora deixa lá experimentar: hello!-lo-lo-lo-lo

    abr@ço
    Miguel | Tomo III

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