quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Moreirense 0 x 0 FC Porto | Trivelas & Roscas


Existe algum portista que não tenha acordado com os lábios secos? Duvido. É exasperante perder pontos desta forma, onde a conjugação de erros próprios, alheios, involuntários e deliberados frustra qualquer tentativa de fuga ao pelotão. Distraímo-nos de tal maneira a ver o Ferrari despistar-se no retrovisor que nos esquecemos de olhar para a frente. E batemos, também, sabendo que esta corrida nunca terá um policiamento justo. Há uma série de diferenças entre o FC Porto da 1ª volta e o que arrancou a 2ª. A mais natural e expectável, o cansaço. A menos visível, a falta de arcaboiço mental dos jogadores para lidar com a liderança. Se olharmos para o onze que entrou ontem em campo, só Telles, Reyes, Felipe e Óliver sabem o que é ser campeões nacionais (e por uma vez). Há menos velocidade na transição e mais hesitação no último terço. O que não existe é diferença de atitude. Atitude pressupõe vontade e a equipa já demonstrou mais do que uma vez que quer vencer o campeonato. Se terá pernas e estofo para o fazer é outra conversa.


Telles/Felipe: O quarteto defensivo esteve genericamente bem, o que explica um dos zeros do jogo, mas os dois brasileiros alargaram o seu raio de ação ao ataque, tendo contrariado uma boa parte do mau desempenho dos colegas da frente. Alex fez um jogo equilibrado, a atacar e a defender, sobretudo tendo em conta que os laterais têm trabalho redobrado sem a presença de um pivot defensivo. Felipe sofreu um penalty grotesco que ficou por assinalar e esteve perto do golo num par de ocasiões, sem oferecer malabarismos arriscados junto da sua área como contrapartida ao adversário.


Herrera/Óliver: O regresso ao esquema com dois médios não correu como Conceição desejava. O FC Porto emperrou a partir do primeiro quarto de hora e só a intervenção do newcomer Paulinho deu, a espaços, algum critério à construção. Primeiro, Herrera. Está em quebra, o que equivale a dizer que está a perder confiança. Depois, Óliver. O espanhol acusou falta de ritmo e mostrou alguma deficiência na entrega e na adaptação ao modelo.

BAM: Desinspiração, indecisão e desacerto. Jhonatan até teve um dia feliz, mas não era imbatível. Do trio africano, nenhum se aproveitou. O que explica o outro zero do jogo.

Sérgio Conceição: Desde a viragem do ano que as primeiras partes se tornaram exercícios sofríveis de assistir. Conceição tem conseguido inverter a tendência na segunda metade, mas talvez esteja na hora de repensar a ideia de dar 45 minutos de avanço. Agora que conseguimos fazer em janeiro o que não fizemos no Verão - contratar - pede-se a rotatividade sensata que o segundo e terceiro terços exigem. Caso contrário, nem a Maio chegamos.


Paulinho: Óptima estreia, com movimentações interessantes para quem acabou de entrar na equipa. As boas investidas do FC Porto na primeira parte passaram quase sempre por ele e o golo, na estreia, também não andou longe. Quem me acompanha no Twitter sabe que este é um dos jogadores que tenho seguido e que acredito que possam trazer valor acrescentado ao FC Porto. Paulinho dá a mesma dimensão interior ao jogo que Brahimi oferece no lado contrário. O que vai ser particularmente útil contra adversários que só vão mendigar um pontinho.

Waris: Voltou a causar boa impressão e mostrou que pode valer pontos. Se deixarem.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Draxletter | Os provérbios do Benfiquistão


Eis a Draxletter. Uma espécie de newsletter diária que só vai acontecer uma vez.

Ontem, assistimos ao primeiro plot twist de uma das novelas mais previsíveis (e perversas) do futebol português. O arrufo de namorados no Restelo trocou as voltas aos que esperavam o forrobodó habitual entre Belenenses e Benfica. Os da casa fizeram-se de difíceis perante o coro encarnado e tudo o que o amante conseguiu foi arrancar um chocho à força, já bem depois da hora de deitar. Até as histórias de amor superlativo têm os seus momentos mais cinzentos. O Benfica não pode esperar que a relação de poliamor que mantém com a maioria dos clubes da Liga não dê num ou noutro caso de ciúme. Nada que, no fim de contas, a Paixão não resolva. O empate de ontem reacende também uma velha questão que promete inflamar susceptibilidades. Afinal, qual deles é melhor: o pastel de Nathan ou o pastel de Belém?

Soubemos hoje que o líder máximo do Benfica, Luís Filipe Vieira, foi constituído arguido no âmbito de um processo que também motivou buscas ao seu gabinete no estádio do Benfica. Na mesma operação, levada a cabo pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção, está envolvido o juiz-desembargador Rui Rangel (um ex-candidato a líder máximo do Benfica) e José Veiga (um dos ex-braços direitos do líder máximo do Benfica). Uma operação que nada tem a ver com o Benfica, diz o Benfica. Mas João Correia, o advogado-mor do Benfica, que mais parece uma espécie de Paulo Madeira da defesa jurídica do clube, desarmou todos os que pretendiam tirar algum tipo de aproveitamento da situação com um provérbio popular no Benfiquistão: "Quem não é arguido não é bom chefe de família". Nos próximos dias ainda vamos ouvir que "em casa onde não há corrupção, todos ralham e ninguém tem razão" ou que "boa fama granjeia quem faz tráfico de influência".


Também esta terça-feira, o FC Porto enfrenta uma das deslocações mais complicadas da segunda volta. Começamos já em desvantagem em número de comendadores, porque eles têm o Joaquim de Almeida Freitas e nós não temos o nosso por lesão. Mas o FC Porto que eu conheci não desperdiçava as abébias dadas pelos rivais. Pelo contrário, alimentava-se delas. E Sérgio Conceição tem sido, após Vítor Pereira, o homem que mais tem reaproximado o dragão do caçador de oportunidades que já foi. Sem Danilo no miolo e sem Marcano no eixo da defesa, a presença de um pivot é fundamental. Se nos próximos jogos Conceição quiser abdicar do trinco tradicional e voltar ao modelo com dois médios, não deverá fazê-lo agora. Aposto em Héctor, Óliver e Sérgio Oliveira de início. E, eventualmente, Paulinho no lugar de Corona. Jogue quem jogar, o foco terá de ser a vitória e a liderança isolada da Liga, que fará o regresso a Estoril parecer cada vez mais uma extra ball.

O calendário astronómico diz-nos que se olharmos para o céu esta noite, vamos ver uma super Lua. Que, basicamente, é uma lua gigante, impossível de não notar, que não terá consequências para ninguém. Já se olharmos em frente, vamos continuar ver um super escândalo de corrupção. Que, basicamente, é uma metástase político-desportiva gigante, impossível de não notar, que não terá consequências para ninguém.

Cheers.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Sporting 0 x 0 FC Porto (4-3 g.p.) | Trivelas & Roscas


Um dos aspectos mais notáveis da susceptibilidade humana é procurar explicações complexas para coisas simples. Somos a navalha da navalha de Occam. A contraparte que não se conforma com a improbabilidade. Que não aceita que nem sempre ganhe o melhor. Perdoem-me os neomarxistas da língua, mas a vida é mesmo assim. No terceiro clássico da época, fomos uma vez mais contra todas as possibilidades. Fomos superiores ao adversário, empatámos uma vez mais a zero e, no fim de contas, saímos outra vez a perder. Agora, tal como antes, perdemos bem e perdemos mal. Bem porque o Sporting foi mais competente nos penalties. Mal porque continua a faltar instinto durante os 90 minutos contra os arquirrivais. Sentimo-nos confortáveis na pele de predadores mas passamos demasiado tempo a rondar a presa, mostrando um certo receio de lhe tentar afiambrar o cachaço. O tempo suficiente para ela se refugiar na sorte. Vamos a notas:


Marega: Definir um jogo do maliano como excelente é dizer que deu muito trabalho ao adversário, lutou muito, suou como ninguém, correu mais do que todos os outros juntos, quis ganhar uma taça que, geralmente, ninguém se importa de perder. Porém, também é dizer que o faz com todos os defeitos que lhe são inerentes, como o perfil atabalhoado, a elevada propensão para o erro e a falta de definição. Pessoalmente, não me importo com a estética cubista do seu futebol. É como ter um impermeável comprado num outlet. Tem defeitos e linhas soltas, mas na hora do aperto cumpre a sua função. Útil, sobretudo, no futebol de correio-expresso que Conceição gosta. Isto não é uma piada com a Taça CTT.

Óliver: Quando Danilo abandonou lesionado, pensei que Sérgio Conceição fosse redefinir o elenco mantendo o modelo, atirando Reyes lá para dentro. Contudo, a entrada de Óliver trouxe uma mutação genética à equipa. Com riscos, mas também com boas perspectivas. Depois de quebrarem o gelo, Herrera, Sérgio Oliveira e Óliver, prenderam os movimentos de um adversário que tem no meio-campo a sua maior virtude. Óliver é, ao mesmo tempo, uma benção e uma chaga. Continuando na senda das comparações parvas, o seu CPU é consideravelmente mais rápido que os colegas. Os seus oito núcleos de processamento trabalham para uma equipa que, na fase de construção, pensa à velocidade de uma GeForce 4. Por isso, tende a desenhar jogadas geniais que só a sua cabeça (e a nossa) entende.



Lesão de Danilo: Depois de saber que pode variar entre um mês e dois, fiquei com imunodepressão. Seria um erro de leitura grave de Conceição avançar com ideias paralelas depois da segunda parte que fez com Herrera a 6 (tal como faz no México, com grande sucesso). A transformação da equipa foi evidente. Para melhor. O problema é mantê-la. Herrera é muito mais propício a desconcentrações que Danilo e pode custar mais golos. Mas Reyes iria tirar demasiado óleo ao motor sem a garantia de que vedaria tão bem quanto o Comendador.



Waris: Não o conheço. Ver jogos da Ligue 2 aparece para aí na 183ª posição da minha lista de passatempos. E dez minutos de jogo conversa não chegam, embora me tenha parecido um tipo educadadinho. Isso e um penalty batido com a convicção de quem quer deixar uma boa primeira impressão. Desde logo, salta à vista que Majeed Waris é o jogador-tipo de Sérgio Conceição. Compleição física de respeito, pulmão aberto, compromisso com a pressão alta, velocidade. Diz a tradição que somos bons a escolher jogadores oriundos da África subsariana ao Lorient. E fé, tenho sempre.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Desconstruindo mitos

O ruído que o inacabado Estoril x FC Porto da 18ª jornada tem provocado está a gerar mais brechas na interpretação dos factos do que as que cobrem o António Coimbra da Mota. Vamos ao que interessa.

O jogo não chegou ao fim. A partida foi suspensa ao intervalo devido ao risco de colapso de uma das bancadas do Estádio António Coimbra da Mota, construída há menos de três anos. Só o sangue frio e o bom senso dos adeptos portistas e a intervenção célere e coordenada das autoridades evitou que a noite de ontem se transformasse num dia de luto para o desporto nacional. Isso mesmo foi atestado pelo comandante da Proteção Civil Municipal de Cascais, Pedro Araújo. Ou em alternativa, pelo insuspeito do costume.


Há quatro parcelas fundamentais nesta equação.

1. A SAD do Estoril admitiu, em comunicado, que a estrutura da bancada sofreu um "abatimento", violando assim as regras de segurança. Antes, já tinha admitido que aquele setor tinha sofrido manutenção a poucas horas do jogo.

2. O já citado comandante Pedro Araújo, em análise preliminar, descartou a hipótese que muitos queriam colar: a influência do sismo de Arraiolos, atribuindo implicitamente a responsabilidade ao clube e/ou à empreitada da obra.

3. O Regulamento de Disciplina da Liga prevê sanção de derrota caso a falta de condições necessárias para a realização de um jogo seja da responsabilidade do clube.

4. Apurar responsabilidades através da peritagem e do inquérito. Se a falta de segurança for imputada ao Estoril, o artigo 94.º é claro. Se não for, siga para bingo.


Numa primeira instância, o FC Porto terá recusado, e bem, acertar com a Liga e com o Estoril nova data para o jogo dentro das 30 horas seguintes. A alínea d) do artigo 46.º do Regulamento das Competições organizadas pela LPFP refere que caso não estejam satisfeitas as condições de segurança adequadas para prosseguir o jogo dentro do prazo definido pelo enquadramento legal, a partida é remarcada dentro das quatro semanas seguintes (cumprindo o disposto no ponto 4. do artigo 42.º).


Ora, o FC Porto estará prestes a anunciar que chegou a acordo com o Estoril para jogar a segunda parte a 21 de Fevereiro, entre a recepção ao Rio Ave (21) e a deslocação a Portimão (25). A minha teoria é de que o acordo não é vinculativo, isto é, não impede que o FC Porto abdique de lutar pelo cumprimento do regulamento, se for caso disso. O Departamento Jurídico do clube já estará certamente a apreciar o caso, porque acredito que a mesma estrutura que nos projetou para o mundo não ficou subitamente amadora na defesa dos nossos interesses.

Contudo, enquanto não for concluída a investigação - e imputadas responsabilidades - a invocação do artigo 94.º fica congelada. Por isso, a remarcação do resto do jogo é um passo urgente. Se o parecer final do inquérito for desfavorável ao FC Porto, o jogo terá de ser retomado e quanto mais cedo isso estiver definido, melhor. Se for favorável, o FC Porto ganha os três pontos na secretaria. Simples. Seria muito mas muito mais polémico completar a segunda parte hoje ou amanhã. Pois se o FC Porto perdesse em campo e acabasse por vencer na secretaria, a única derrotada seria a já empalidecida imagem da Liga.

Não trago para esta conversa as descabidas teorias da conspiração que proliferaram entre ontem e hoje. A lama pertence à lama. No dia em que o FC Porto salvar o país, o FC Porto será acusado de ter salvo o país. Mas há um aspeto muito mais fundamental do que os três pontos em causa. A segurança dos que sustentam o futebol português: os adeptos. É crucial que o FC Porto lute até à exaustão pelo cumprimento da lei, para fazer disto uma wake up call abençoada e garantir um futuro mais saudável para a competição. Por um futebol sem medo, pela devolução da confiança aos adeptos, legitimamente descrentes num sistema incompetente que manda uma multidão regressar a uma bancada à beira da derrocada.

Desportivamente, tenho uma recomendação para Sérgio Conceição e para os jogadores. Mentalizem o jogo de ontem como uma derrota virtual. Aceitem o facto de termos caído para o segundo lugar e lutem como se tivessem de correr atrás da liderança. Se isso acontecer, tenho a convicção de que o hipotético jogo de Fevereiro será apenas um bónus onde podemos ganhar um ou três pontos extra.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Moreirense 1 x 2 FC Porto | Trivelas & Roscas


Vitória insípida. A possibilidade de termos perdido um, possivelmente dois, dos jogadores mais influentes da equipa por tempo indeterminado trava o sabor do regresso às meias-finais da prova raínha. É certo que a quebra física é consequência natural da escassez de recursos. Neste micro FC Porto, todos jogam e (quase) todos jogam muito. Mas não posso deixar de notar também uma espécie de jogo de forças cósmicas que me perturba mais do que seria desejável. Se ganhamos um Herrera, perdemos um Óliver. Se ganhamos um Sá, perdemos um Casillas. Se reabilitamos um quase dispensado Layún, lesiona-se um Marega a aquecer. Se é frustrante para mim, imagino para Sérgio Conceição, que até ao final da temporada vai ter de racionar melhor do que uma ONG no Ruanda. E estando em todas as provas, não sei se temos bateria que chegue para a maratona.


Maxi: Deve andar a jogar infiltrado no Campeonato Nacional de Séniores. Só assim se explica a falta de ritmo que não acusou. Incansável em toda a linha,  estendeu-se bem no terreno e mostrou uma percentagem de acerto simpática nos cruzamentos, o seu ponto fraco, mantendo a habitual solidez a defender. Tenho de respeitá-lo. Maxi faz por demonstrar que não veio para o FC Porto gozar a reforma antecipada depois de ganhar quase tudo no rival. Fosse eu assalariado do Benfica e o único esforço que faria era para não me cuspir todo nas palestras de Rui Vitória.

Layún: Não foi o melhor jogo do mexicano com a camisola portista, mas voltou a mostrar que pode ser o joker que a equipa procura. Joga em qualquer posição, fazendo prevalecer a sua inteligência na leitura do jogo sobre a anarquia táctica em que mergulha por levar a polivalência ao extremo. Sérgio Conceição pode fazer com ele aquilo que Jorge Jesus está a fazer com Bryan Ruiz. Em 2017/18, Miguel Layún já foi titular, esteve para sair, desapareceu das opções, regressou, dizia-se que era preguiçoso, mas no fim de contas é um jogador que "dá garantias" a Conceição. E ainda bem.

Herrera: "Patinho feio, o caralho. O meu nome agora é Zahovic", disse o mexicano ao espelho algures em setembro de 2017. Está feito um senhor jogador. É o catalisador da máquina. Começa finalmente a dar razão aos que nunca deixaram de acreditar nele, a silenciar os que sempre o criticaram e a agradar ambas as partes. Temia que as mini férias lhe fizessem mal, porque a taxa de rendimento de Herrera está indexada ao índice de confiança. Mas a Herreronomia está a tornar-se uma ciência exacta. Yay.


Hernâni: Nope. Não serve. Há mínimos olímpicos que não consegue cumprir. Dizer que Hernâni é alternativa a Corona é dizer que soja é alternativa à carne. Na falta de reforços, Galeno, ou até André Pereira, podem preencher a vaga do ex-vimaranense sem prejuízo para a qualidade global da equipa.

Felipe: O FC Porto voltou a sofrer um golo (e a sofrer em geral) muito por culpa do brasileiro. Tem o descomplicómetro avariado e mesmo quando não tem a bola nos pés parece andar a gravitar à volta de outros assuntos da vida, como o preço do fubá ou a extinção em massa das chinchilas da Índia. Acorda, rapaz.

Mercado: "Se tivesse a certeza que não havia lesões e castigos, mas não temos. Com jogos de três em três dias é preciso muito dos jogadores". Strike three. A mensagem do treinador à direcção é inequívoca. Conceição quer e precisa de mais mão-de-obra. Da outra parte, resta fazer um pequeno esforço para não deitar todo o sacrifício do grupo ao charco. Não podemos é estar à espera que os azares aconteçam - ou fazer fé para que não aconteçam. Porque ninguém pretende passar o final de Maio a lamentar uma política de contratações reactiva que devia ter sido proactiva.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

FC Porto 4 x 2 Vitória SC | Trivelas & Roscas


Quando Artur Soares Dias apitou para o intervalo, Sérgio Conceição saiu a correr e foi ao balneário virar o boneco. Não o acólito demoníaco que o seu filho tem em casa - ele há coisas que é melhor não questionar -, mas o boneco aos seus homens, que passaram metade do jogo a oscilar entre a agitação e a apatia - e uma certa sensação de impotência perante as gaffes do videocoiso. A diferença de rendimento da primeira para segunda parte foi tão abismal que Nuno Espírito Santo só ficaria orgulhoso dos primeiros 45 minutos. Vai acontecer mais vezes. Vamos sofrer primeiro em muitas ocasiões. Chegaremos mais vezes a meio do jogo com as asneiras todas por limpar. Vamos ter de aguentar tabuleiros com maior ou menor inclinação durante o resto da época, enquanto lidamos com as nossas próprias carências. No futebol, vontade não é tudo mas pesa muito. Se reagirmos com a pujança de ontem, dificilmente sairemos derrotados. Em tempos, tivemos um treinador que nos prometeu que, caso estivéssemos a perder, as outras equipas iriam "levar massacres que nem respiram". O mesmo a quem devemos um terço da nossa glória europeia.


Brahimi: Podia arrancar este parágrafo de várias formas diferentes. Podia mencionar, por exemplo, o passe de triângulo do argelino para Aboubakar logo a abrir a partida, num gesto que está a tornar-se viral nos nossos jogos: bola lançada na diagonal, geralmente da direita para o meio, com tensão suficiente para rasgar a defesa contrária e o açúcar necessário para atrair o redes, antes de parar cinicamente nos pés do avançado. Ou notar os 88 dribles eficazes que Yacine já leva em meio campeonato. Uma média de 5,2 por jogo. Mais reviengas juntas do que o segundo e o terceiro melhor da Liga juntos - Rúben Ribeiro (38) e Gelson Martins (36). Até podia falar do golo fantástico e da exibição avassaladora na segunda parte. Mas tudo isto, bem dobradinho, cabe no bolso, quando comparado com a forma como Brahimi celebrou a reviravolta no marcador. Podem tirar Brahimi do FC Porto, mas já não tiram o FC Porto de Brahimi.

Alex Telles: Dobra, recua, corre, sobe, desmarca, centra, tabela, assiste. Raramente falha. É como um daqueles mecânicos que toda a gente procura mas ninguém encontra. Não foi caro, está sempre disponível, é extremamente competente no trabalho, resolve todo o tipo de berbicachos e se te diz que te vai entregar a bola no segundo poste é porque vai entregar a bola no segundo poste.

Marega: Dois golos mais do que acessórios, que foram o antibiótico de que a equipa precisava para consumar a remontada. A sua preponderância para o FC Porto mede-se em número de sportinguistas que bufa das narinas quando vê a tarja "Mete o Marega!!!!" na net.


Corona: Sei que não é fácil jogar numa Liga que ainda não implementou o videoárbitro, mas temo que uma boa parte dos picos de corrente ainda sejam da nossa responsabilidade. Corona, infelizmente, anda mais Dr. Jekyll do que Mr. Hyde e, sim, não me enganei. Corona quer-se é uma besta dentro de campo porque tem potencial para isso. E não um soccer boy enfadado por não o terem deixado dormir em casa dos amigos. Óliver também pareceu acusar a titularidade (ou a falta de jogos nas pernas), mostrando-se um pouco desorientado de processos na fase inicial. Abonatório para ambos foi o facto de a equipa se ter diluído toda ela no marasmo exibicional na primeira parte, o que de certa forma torna injusto apontar réus.

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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O dissidente


Bem-vindos ao planeta do futebol. São 23h43 e ainda estou na esquadra à espera de ser atendido. Viver no Benfiquistão habituou-me a conviver com o roubo, mas não me preparou para o terrorismo. Aos olhos do regime, sou um cidadão problemático, um dissidente de partido clandestino. Aos meus, um anticorpo à procura de justiça num organismo que não funciona. Revejo o momento do crime na minha cabeça, num circuito contínuo de choque e incompreensão. Há em mim, confesso, uma leve vontade de resignação. De sair daqui e entrar na maré. De fingir, como todos fingem. Sou interrompido por um indivíduo alto, autoritário, de bigode farto. Chefe Guerra, consta na lapela da farda encarnada. Convida-me a entrar, estende-me uma cadeira e pede-me para contar o que se passou. Tento recuperar o que a memória me permite, erguer um raciocínio que sustente a denúncia. Mas é impossível explicar o inexplicável. Começo pelo princípio, ciente de que ninguém vai acreditar em mim.

Cheguei ao local do crime pouco antes do primeiro golo, disse-lhe. O ambiente era calmo, dentro da normalidade aparente que um jogo amorfo e longe de ser bonito costuma ter. O golo de Aboubakar não mudou grande coisa. Tudo continuou igual dentro de campo. Brahimi, como habitualmente acontece, partia adversários até acabar ele próprio partido pelos pitóns deles, numa relação desencontrada com o apito do árbitro. Corona, como habitualmente acontece, somava más decisões em barda, numa relação difícil consigo mesmo. Óliver, como habitualmente acontece, via do banco André André produzir um décimo daquilo que o espanhol produz em campo, numa relação estéril com o seu treinador.

Silencioso, o Chefe Guerra amestra uma caneta nos dedos por cima de um bloco de notas ainda sem tinta. Pergunta-me onde está o crime. Descrevo, ao pormenor, o atentado de Fábio Veríssimo contra o FC Porto. A permissividade deliberada perante o massacre constante a Brahimi, um tipo que leva mais pau do que todas as lareiras da Escandinávia juntas. A tendência daltónica de ver amarelo onde é vermelho e vermelho onde é amarelo. A gritante discrepância entre a insígnia que carrega ao peito e aquela que realmente defende. A obscenidade de transformar um lançamento de linha lateral num livre directo. Fábio Veríssimo, remato, foi contratado para sabotar o meu clube.

Nem todos os crimes se fazem apenas de vítimas e vilões, continuei. Este também tem heróis. Descrevo-lhe a bravura de um grupo de jogadores que, mesmo perante a inclinação do campo, soube dobrar a adversidade com inteligência e um enorme auto-controlo. Conto-lhe as recuperações de bola de Óliver, o espírito de sacrifício de Soares, a cabeçada de Felipe, a raça de Brahimi. Conto-lhe sobre a excelência da réplica dada pelo Feirense. Peço-lhe um pouco de justiça por todos os que jogaram futebol naquela noite. O Chefe Guerra ri-se.

Você está preso, diz-me, fechando o bloco ainda por estrear. Na capa, reluz o emblema do regime. Tem alguma coisa a acrescentar?

Vamos ganhar, respondi calmamente.